sábado, 20 de maio de 2017

Amostra quarta parte Os Últimos Dias de Krypton


– Produziu um trabalho brilhante, sem dúvida – implicou seu pai –, mas cuja compreensão está além de nossa capacidade, meros mortais.
– Aqueles doze obeliscos – disse Lara antes que pudesse prender a respiração, enquanto apontava para o que estava mais perto. Ela havia encontrado uma serenidade, uma determinação em sua voz. – Quero pintá-los, cada um de um jeito diferente.
Sem nem ao menos olhar para os esboços, sua mãe lhe deu as costas.
– Isso está além do escopo do nosso projeto aqui. Jor-El não nos deu permissão para tocá-los.
Lara fez pressão.

– Mas será que alguém efetivamente perguntou se podia?
– Ele está dentro do laboratório, trabalhando. Ninguém deve perturbá-lo. Eu tive que mandar o seu irmão para o perímetro do terreno, porque ele estava fazendo muito barulho. – Ora olhou para o marido. – Talvez Ki deva voltar para Kandor e ir à escola com crianças da sua idade.
Lor-Van bufou.
– Ele está aprendendo muito mais aqui. Quando é que o garoto vai ter uma oportunidade como esta novamente?
Lara, contudo, insistiu em sua própria questão, e não estava aceitando uma resposta fácil.
– Jor-El pediu mesmo que não o perturbássemos enquanto estava trabalhando, ou vocês estão apenas fazendo uma suposição?
– Lara, querida, ele é um cientista reverenciado, e estamos aqui em sua propriedade ao seu convite. Não queremos abusar de sua boa acolhida.
– Por que vocês tem tanto medo dele? Jor-El me parece perfeitamente afável e gentil.
– Olha, Lara – disse o pai com um sorriso tolerante –, não temos medo de Jor-El. Nós o respeitamos.
– Bem, eu vou lá perguntar. Alguém tem que clarear nossos parâmetros. – Ela se virou, determinada, ignorando as palavras cautelosas de seus pais.
Lara tocou a campainha da porta do prédio de pesquisa, que era tão grande e pomposa quanto o templo de Rao. Quando não obteve resposta, começou a bater com os nós dos dedos, mas novamente só houve o silêncio. Finalmente, foi mais impulsiva e enfiou a cabeça no interior do prédio.
– Jor-El, estou perturbando você? Preciso lhe fazer uma pergunta. – Ela havia escolhido cuidadosamente as palavras. Que cientista de verdade poderia negar atenção a alguém que buscava conhecimento e queria simplesmente fazer uma pergunta?
– Alô? – Embora soubesse que o sujeito devia estar dentro do laboratório enormemente iluminado, ela só ouvia o zumbido reverberante do equipamento. – Sou um dos artistas, a filha de Ora e Lor-Van. – Ela segurou a fala e adentrou o prédio, na esperança de que pudesse ouvir a voz do cientista.
O espaçoso laboratório de Jor-El era cheio de cristais que brilhavam como se fossem refletores. A enorme sala continha uma maravilhosa série de aparatos incomuns, experiências meio desmanteladas, estantes cheias de equipamentos e peças de exposição. O sujeito parecia perder o interesse em um projeto uma vez que a parte desafiadora fosse superada, pensou Lara. Ela conseguia entender isso.
Ainda assim, a moça não conseguia encontrar o eminente cientista. Será que ele havia deixado a propriedade em segredo?
– Jor-El? Tem alguém aqui?
No centro do laboratório pairava um par de anéis de prata que continham... um buraco. E, imprensado contra a membrana intangível na superfície, ela viu Jor-El flutuando no interior, gesticulando loucamente, com feições borradas e estranhamente achatadas. Embora seus lábios se movessem, eles não emitiam som algum.
Lara saiu correndo, deixando para trás a prancheta e os desenhos. E elevou a voz:
– Você está preso? – Embora ele tentasse responder, ela não conseguia ouvir o que o cientista estava dizendo.
Franzindo a testa, Lara deu a volta, foi parar atrás da moldura traçada pelos anéis de prata e teve a mesma visão de um Jor-El que a olhava pedindo ajuda, como se tivesse sido aprisionado dentro de um plano bidimensional. A curiosidade a estimulou.
– Isso é alguma espécie de experiência? Você não fez isso de propósito, certo? – A expressão desesperada no belo rosto do cientista era a única resposta da qual ela precisava. – Não se preocupe. Vou descobrir uma maneira de tirar você daí.

Flutuando naquele vácuo dormente e vazio, Jor-El experimentou um momento de amarga ironia: por tantos anos ele sonhara com um lugar de absoluta quietude onde jamais seria perturbado, um lugar onde poderia deixar seus pensamentos vagarem e o levarem até chegar às suas conclusões. Agora, preso nesse silêncio morto e surreal, ele só queria escapar.
Nos momentos iniciais de sua clausura, havia perdido a haste de telescópio e a teleobjetiva de cristal. Assim que se reorientou, a ponto de poder vislumbrar a janela de seu próprio universo, ele cutucou a abertura com a vara que trazia na mão, mas a barreira deu um coice, de alguma forma numa diferente polaridade daquele lado. A lente se estilhaçou, a barra vergou e saiu do seu alcance, caindo no nada. Restou a Jor-El ficar ali pendurado, como se fosse um espírito desencarnado.
Algum tempo depois, quase como se fosse um prêmio de consolação, a caneta veio em sua direção. Jor-El a apanhou, sem saber se ela poderia vir a ser útil.
Ele não tinha nenhum meio para mensurar quanto tempo havia se passado. Acalmou-se e voltou a mente para o desafio em vez de sucumbir ao pânico. Normalmente, quando tinha que enfrentar um problema que parecia insuperável, Jor-El usava suas melhores calculadoras, trabalhava com uma série interminável de equações e se valia dos conhecimentos de matemática para chegar a conclusões em geral surpreendentes. Aqui, no entanto, tinha apenas sua mente. Felizmente, para Jor-El, seu cérebro era o suficiente. Hora de pensar!
Logo ele tentou se concentrar na explicação que a física daria para aquele buraco no espaço, tentando descobrir como havia sido transportado e por que não conseguia, simplesmente, voltar. Uma vez criado, o portal se tornaria autossustentável; ele duvidava que pudesse fechá-lo se quisesse. O cientista avaliou as ressonâncias em seu dispositivo cristalino de controle, os feixes coesos de luz solar vermelha e as parábolas de mercúrio, até pensar em uma técnica que poderia funcionar para tirá-lo dali. Mas daquele lado da barreira, Jor-El estava completamente desamparado. Precisava de alguém para ajudá-lo do lado oposto.
Então, quando olhou para o laboratório lá fora, ele avistou um rosto, um rosto lindo como o de uma ninfa etérea. Seus lábios se moviam, mas ele não conseguia entender as palavras que eram ditas por trás da barreira. Quando Jor-El gritou de volta, ela claramente não conseguia entendê-lo também. Os dois estavam isolados um do outro, separados por um vão entre universos.
Jor-El achou que havia reconhecido a jovem, por já tê-la visto uma ou duas vezes. Sim, ela estava com os muralistas que ele convidou para embelezar as estruturas da sua propriedade. Talvez ela saísse dali em busca de ajuda – mas quem poderia ajudá-lo? Ninguém, além da possível exceção de Zor-El, entenderia seu aparato ou o que havia feito. Mas levaria dias para que seu irmão pudesse chegar de Argo City.
A jovem, em seu campo de visão, andava de um lado para o outro, imersa em pensamentos. Era uma loucura, mas Jor-El havia maquinado uma possível solução, contudo não tinha condições de comunicá-la para Lara. Se ao menos pudesse fazer com que a garota revertesse a polaridade dos cristais do centro, ele poderia ser cuspido para fora. Mas Jor-El não sabia como lhe dizer isso.
Demonstrando uma paciência incrível, a mulher apagou o que estava na prancheta e começou a escrever o alfabeto kryptoniano. Ele rapidamente percebeu o que a moça estava fazendo. Seria um processo lento, mas como ela conseguia enxergar seu rosto, poderia fazer com que ele soletrasse palavras usando um símbolo de cada vez.


Jor-El se agarrou a um fio de esperança e começou a compor sua mensagem.

Nenhum comentário: