segunda-feira, 22 de maio de 2017

Amostra quinta parte Os Últimos Dias de Krypton


Lara guardou os desenhos que estavam na prancheta, limpou a tela e começou a trabalhar na solução do problema. No começo, ela rascunhou perguntas que ele pudesse responder com um simples aceno ou um balançar da cabeça. Será que ele estava em apuros? Sim. Estava sentindo dores? Não. Estava em perigo iminente? Ele hesitou, mas respondeu não. Será que queria a ajuda dela? Sim. Sabia como sair dali? O cientista fez uma pausa antes de dizer sim.
Logo ficou óbvio que ela não reuniria informações suficientes dessa maneira. Finalmente, batendo em uma letra de cada vez com a caneta e esperando que ele escolhesse a que fosse mais adequada, ela, com muito esmero, captou sua mensagem.
Polaridade Reversa.
Cristal mestre.
Dispositivo de controle.
Com um olhar de consternação, Lara escreveu: “O que é o dispositivo de controle?”, “Qual é o cristal mestre?” e “Como eu reverto a polaridade?”. Mas ela só podia ter uma pergunta respondida de cada vez.
Dizia-se que Jor-El falava de coisas incompreensíveis para o kryptoniano médio. Ele criou um abismo entre si e a maioria dos cidadãos, que aceitavam passivamente o status quo. Na hora em que escreveu sua segunda e igualmente incompreensível resposta, ela ainda não sabia o que fazer.
Eixo Experimental.
Placa de Foco Solar.
No Laboratório.
Lara olhou em volta, mas toda a sala estava cheia de equipamentos exóticos, nenhum dos quais lhe fazia qualquer sentido. Que pergunta ele estava respondendo? Ela achou uma grande variedade de painéis cristalinos, dispositivos luminosos e equipamentos que zumbiam. Até que finalmente ela decidiu fazer o que fazia melhor, uma forma de comunicação que não dependia de matemática ou termos técnicos.
Lara usou rápidas pinceladas de sua caneta para desenhar tudo que via na sala. Mais uma vez, através de um processo meticuloso, ela levantou a prancheta na altura do campo de visão do cientista e lhe mostrou as imagens. Ao apontar para cada aparato com a pena, ela aos poucos foi limitando as possibilidades e chegando no que ele estava querendo dizer.
Finalmente, seguindo com precisão as instruções de Jor-El (conforme as entendia), ela localizou o painel cristalino de controle. O cientista foi ficando obviamente mais tenso, mas Lara só sentia arrebatamento. Ela se perguntava se o pobre homem estava começando a duvidar de suas próprias teorias, mas, estranhamente, não tinha tais reservas. Ela acreditava nele.
Lara escolheu o que ele havia chamado de “cristal mestre”, que brilhava num tom verde-esmeralda. Quando o tirou de seu bocal, a luz do cristal se apagou; ela o virou de ponta-cabeça e o inseriu novamente.
De repente, a peça vítrea começou a brilhar num tom escarlate bem forte. Os anéis de prata suspensos, que serviam de moldura para a fenda dimensional, começaram a girar como se fossem rodas dentadas de pontas afiadas, e depois viraram bruscamente para uma posição reversa...
...e ejetaram Jor-El de cabeça para longe do outro universo. Estatelado no chão onde havia caído, ele tirou a túnica e as calças brancas – que saíram imaculadas daquela experiência penosa – e balançou a cabeça.
Ela correu em sua direção, pegou no seu braço trêmulo e o ajudou a se levantar.
– Jor-El? Você está bem?
Ele mal conseguia encontrar as palavras mais adequadas. A princípio, ficou corado, mas logo sorriu.
– Que experiência fascinante. – Quando a encarou, com os olhos azuis e cintilantes, parecia estar enxergando Lara de um jeito que jamais alguém havia enxergado. – Você salvou a minha vida. Mais do que isso, você me salvou de ficar preso para sempre naquela... Zona Fantasma.
Ela lhe estendeu a mão.
– Meu nome é Lara. Desculpe pelo jeito pouco ortodoxo de fazer contato. – Ela resolveu esperar um pouco antes de pedir a sua permissão para pintar os doze obeliscos.

CAPÍTULO 3

A turbulenta tempestade de Rao criou um espetáculo silencioso de luzes e auroras naquela noite. Cortinas etéreas e coloridas transbordaram em meio ao céu de Krypton.
Como ela o havia resgatado, Jor-El convidou Lara para jantar ao seu lado na sacada da mansão. Esse gesto de gratidão não era uma mera formalidade; era a coisa certa a se fazer. Ele havia gargalhado quando os pais da moça vieram pedir desculpas por sua filha atrevida ter perturbado o seu trabalho. Se Lara não o tivesse interrompido no laboratório, quem sabe por quanto tempo ele poderia ficar preso naquele lugar vazio? O cientista queria muito jantar com ela e conhecê-la melhor.
Agora os dois estavam sentados juntos naquela noite quente e calma, comendo de várias pequenas travessas, cada uma com uma iguaria saborosa. Jor-El era meio solitário, não estava muito acostumado com conversas casuais, mas logo percebeu que trocar ideias com Lara era surpreendentemente fácil.
Usando um garfo fino com uma pérola na ponta, ela pegou uma porção apimentada de lúcuma de um prato de borda dourada, deixando o último pedaço para ele.
– Quando eu ia a banquetes extravagantes em Kandor, a comida era normalmente tão bonita que o sabor não tinha como alcançar o nível da apresentação. – Ela retirou a tampa da pequena panela esmaltada e respirou bem fundo para sentir o cheiro do vapor quente e apimentado que vinha das folhas polpudas e ensopadas enroladas em espetos. – Isso aqui, no entanto, está delicioso.
– Instruí meu chefe, Fro-Da, para que preparasse uma refeição especial, mas eu normalmente não costumo prestar atenção na comida. Sempre estou ocupado com outras coisas. – Com os dedos, ele pegou uma pequena empada triangular. Ele não tinha a menor ideia de que refeição era aquela ou de que ingredientes Fro-Da havia usado no molho. – Já fui a banquetes onde o jantar parecia mais uma performance do que uma refeição.
Lara se animou.
– Não tem nada errado com uma performance, se é isso que você está buscando. Gosto dos balés suspensos das óperas de Borga City e Kandor, mas quando estou com fome, quero apenas comer. – Os dois riram.
Como se estivesse escutando a conversa dos dois às escondidas, o corpulento chef chegou e apresentou o colorido prato de sobremesa com o mínimo de alarde.
– Permitimos que a nossa comida seja uma celebração por si mesma – disse Fro-Da. Jor-El tentou agradecê-lo, mas ele desapareceu junto com um turbilhão de ajudantes que ajudaram a tirar a mesa.

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